segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Como Sufocar a Dissidência

Esta é uma tradução de um post do Rob Weir no seu blog. O texto original encontra-se aqui.

Enquanto estive em Berlin para a conferência LinuxTag 2010 há alguns meses, tive a chance de fazer uma caminhada de 12 quiilômetros pela cidade, indo da Warschauer Strasse e a
East Side Gallery até a Wittenbergplatz e a KaDeWe, aproveitando os diversos pontos históricos ao longo do caminho. Foi uma ótima revisão de história européia do século XX. Uma exposição de rua na Alexanderplatz, tratava das revoluções de 1989 através dos vários movimentos e publicações dissidentes da Alemanha Oriental. Muitas destas eram boletins samizdat, distribuídos furtivamente e copiados em máquinas de escrever e papel carbono, prensas improvisadas e, mais tarde, em alguns computadores pessoais contrabandeados do ocidente. Havia um Amiga 500 e uma impressora NEC Pinwriter P6 usados em 1989. Através desta tecnologia "avançada", a produção de documentos pode aumenter de algumas centenas para dezenas de milhares de cópias.

Enquanto olhava a mostra de publicações samizdat, cada uma um sinal de luta técnica e política, me senti presunçoso. Certamente tudo isso é irrelevante hoje em dia, não? A marcha da tecnologia pôs nas mãos de cada um de nós ferramentas que são muito mais eficientes e efetivas que qualquer publicação "underground" de 1989. Com a Web, o WordPress, Twitter, YouTube e outros serviços, podemos enviar uma mensagem instantaneamente para milhões de pessoas. Estamos muito mais avançados agora.
Pelo menos pensei isso por alguns breves minutos, até que a horrível verdade me atingiu quando considerei melhor a questão. A tecnologia não tornou a dissidência mais segura. Temos apenas sorte que o clima político de 2010 permite mais dissidência. Mas, se desafiados, os poderes de hoje tem ferramentas muito melhores para o controle da informação do que dispunham em 1989. Não estou certo que as ferramentas disponíveis aos indivíduos estão, sequer, próximas da capacidade de enfrentá-las.
Acredito que a capacidade de dissentir é complemento essencial para uma liderença falha. E toda liderança é falível. Sem esta capacidade, as transições de poder podem até ser menos frequentes, porém serão mais sangrentas.

Note que eu disse "capacidade" de dissentir. Não quero dizer que a dissidência deva ser legalizada. É certo que é uma coisa boa e está protegida nas constituições de muitas democracias de hoje. Acho que é algo mais fundamental, a capacidade de indivíduos e grupos se organizarem e expressarem sua dissenção, mesmo quando isso vai contra a lei. É quase certo que um regime que tenda ao autoritarismo irá, muito cedo, declarar a dissenção illegal. A história nos mostra isso repetidamente. Logo, a capacidade de expressar dissenção ilegal é, em algum sentido, até mais importante que a habilidade de expressá-la de forma legal.

Através do século XX foram muitas as tentativas de reduzir a capacidade de exprimir dissidência, desde tornar ilegais partidos políticos de oposição ao fechamento de jornais independentes, até o registro mandatório de máquinas de escrever. Todas elas tornaram a dissidência mais difícil e arriscada, mas não retiraram a capacidade. Ainda era possível para uma pessoa, ou para um grupo, se organizar secretamente e divulgar a sua mensagem. Isso era feito de forma ilegal e até mesmo colocando suas vidas em risco. Mas era o suficiente para girar as engrenagens. Se 10 pessoas protestavam, eram chamadas de loucas e internadas. Se 1.000 pessoas protestavam, usava-se gás lacrimogêneo e eram presas. Mas se 100.000 pessoas protestavam, o governo caia. De certa forma, a gama que vai da guerra civil a uma eleição aberta e democrática, passando por protestos nacionais no meio do caminho, apresenta subsitutos ao uso da força. Há formas sangrentas ou não de se determinar a opinião da maioria e a prudência sugere não eliminar a oportunidade de usar as formas pacíficas.

Minha triste observação é que estamos rapidamente atingindo o ponto, talvez pela primeira vez na história, onde governos terão os meios para eliminar até mesmo a capacidade da dissenção ilegal. Acredito ser este um limite desestabilizador para ser cruzado.

Veja a seguinte situação. Imagine que estamos de volta a 1985 na Alemanha Oriental mas ao invés de máquinas de escrever, tenhamos todas as facilidades tecnológicas do século XXI: a Internet, Twitter, YouTube, etc. Você é um dissidente e eu sou o governo.

Suas duas missões principais são:
  • Colaborar eletronicamente com terceiros confiáveis enquanto protege o conteúdo da comunicação e a identidade dos demais.
  • Publicar a informação de forma anônima ou através de pseudônimo para consumo público.

Você não seria um bom líder dissidente se não tentasse estas duas tarefas e eu não seria um regime opressor muito bom se não tentasse impedí-lo!

Então, onde eu deveria começar?
  1. Uma rede nacional privada. Pense na Coréia do Norte
  2. Um Grande Firewall
  3. Registro mandatório de computadores e contas de Internet.
  4. Controle do DNS
  5. Controle das buscas
  6. Controle das Autoridades Certificadoras
  7. Marcação invisível de papel e tinta
  8. Uma monocultura de software que permita um ponto único de controle governamental
  9. Limites na quantidade de emails que podem ser enviados. Alguns podem até dizer que seria benéfico contra o spam mas também dificulta uma organização efetiva.
  10. Tornar ilegal a criptografia forte
  11. Reduzir o devido processo legal, tornando trivial a solicitação extra-judicial de registros de provedores sem revisão judicial.
  12. Tornar ilegal tecnologias de contorno
  13. Copyright — impedir o "fair use", Creative Commons, etc., extendendo o copyright aos registros públicos.

É interessante ver o quanto já avançamos nesta lista, em especial graças à indústria fonográfica e ao lobby do copyright.

E quais capacidades você tem do outro lado? Quais as suas habilidades para expressar sua dissidência? Acho que o exemplo do Wikileaks salta aos olhos. Isso mostra um exemplo de um site que através de mecanismos técnicos e jurisdicionais parece ter evitado a sua derrubada por uma entidade mais poderosa. Pelo menos até agora. No entanto, acho que isso é uma vitória de Pirro. A simples existência do Wikileaks incentivará os governos a adotar leis mais rígidas, investir em mais tecnologias de contra-informação, como o "Kill Switch" da Internet proposta pelo Departamento de Homeland Security nos Estados Unidos. A existência de uma voz sem controle certamente levará a uma concentração do controle dos pontos chave da Internet que, mais cedo ou mais tarde, silenciarão aquela voz. Quando uma força irresistível encontra um objeto inamovível pode-se especular sobre quem levará a vitória. Eu coloco as minhas fichas no lado com o dinheiro e as armas. O perigo para o resto de nós é que na tentativa de controlar um meio para o exercício absoluto da livre expressão, criam-se pontos de controle que darão a futuros regimes a habilidade de sufocar dissidências e ao eliminar dissenções, elemina-se a melhor oportunidade que temos para revoluções pacíficas.


É claro que não defendo a sedição. E não defendo a livre expressão absoluta. Há questões relacionadas a copyright, privacidade, segredos militares e pornografia infantil. Todas estas limitam a livre expressão. Mas acho que isto significa que tornamos estas atividades ilegais e as restringimos vigorosamente. Deviamos também estar procurando pelos requisitos técnicos mínimos necessários para detetar os violadores sem introduzir tecnologias que, em um nível matemático de certeza, eliminem a habilidade para que estas atividades ocorram. Se assim o fizermos, estaremos intruduzindo, ao mesmo tempo os mecanismos que também poderão ser usados para impedir a discordância política. Estas tecnologias podem surgir inicialmente sob a bandeira da "segurança nacional" ou para a "proteção da propriedade intelectual", mas esta seria sua intenção e não a sua limitação técnica.


Seria necessário um mau aluno de história para não notar que em diversas ocasiões no século passado, governos passaram por períodos em que se tornaram mais que zelosos nas suas tentativas de assegurar um algo grau de consenso visível entre os seus cidadãos. Quando isso ocorrer, é bom ter avenidas para perseguir um discurso honesto e direto. Certamente não é desejável que seja muito fácil derrubar um governo estabelecido mas também não se quer que isso seja matematicamente impossível. É desejavel manter um equilíbrio tendente à estabilidade enquanto se reconhece que as forças de revolução são tão construtivas quanto destrutivas. Temos mais de 400 anos de experiência equilibrando a liberdade de expressão com os interesses legítimos de governos declararem alguma expressão como ilegal. Até hoje isso foi feito sem a concentração de recursos técnicos e administrativos suficientes para exercer restrição prévia absoluta.


Isto está mudando. As consequências não pretendidas de tal concentração de poder devem nos fazer parar e hesitar ao invés de corrermos adiante. A criação do que seria uma bomba nuclear contra a liberdade de expressão, um grande botão vermelho que, quando pressionado, possa silenciar toda uma classe de discurso, deve ser evitada.

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